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ICLÉ: OS CICLOS DE UMA PAIXÃO
PETRONIO:  “É COM AQUELA MOÇA QUE EU VOU ME CASAR”

O primeiro encontro de Petronio e Iclé ocorreu na Avenida Eduardo Ribeiro, nas proximidades do Ideal Clube. Segundo a própria narrativa de Petronio, freqüente e nostálgica em reuniões de família, ele estava na companhia de um primo e assim que a avistou foi surpreendido por tal encanto que exclamou assertivamente e em alta voz: “É com aquela moça que eu vou me casar”. O primo, tomado pelo espanto em razão da contundente afirmação, tentou logo identificar a quem ele se referia e disse conhecer a elegante donzela, mas que tinha maior aproximação com uma de suas irmãs podendo intermediar o contato; o que aconteceu dias depois ao participarem de uma festa na Casa das Baraúnas.

A família de José de Macedo Baraúna e Isabel Barros Baraúna, pais de Iclé Baraúna, vivia na região de Humaitá, numa bela casa de arquitetura portuguesa, toda avarandada, localizada de fronte para as barrentas águas do Rio Madeira. Foi em 1937 que seo Baraúna decidiu mandar dona Isabel para Manaus com as filhas mais velhas a fim de lhes proporcionar melhores condições de vida e de estudo. Por isso, comprou da família Conde, de origem espanhola, um casarão na Rua Ferreira Pena, em estilo art nouveau, da belle époque francesa. Casa ajardinada, com vários dormitórios no andar de cima e amplas salas no térreo, uma delas destinada aos lendários bailes de família, que se tornaram famosos em Manaus. Animados com a participação de Gilberto Barbosa e seu piano, e freqüentemente do músico Batatinha, que os americanos que viviam em Manaus dos anos 40, chamavam de Little Potato. Os pais apoiavam o entretenimento sadio, caseiro e juvenil que as festas simbolizavam. Seo Baraúna trabalhava como fiscal aduaneiro da Receita, respondia pela coletoria de impostos em municípios do interior amazônico e, posteriormente, ingressou no mundo dos negócios, onde insistiu com a economia da borracha, da castanha, além da criação de bovinos e caprinos. Estava, por isso, quase sempre fora de Manaus.

Feita a aproximação com a família, cabia a Petronio conseguir aproximar-se do “alvo”. Certo dia convidou Elci, uma das irmãs Baraúna, para um passeio, o que a fez pensar num possível interesse por ela. Acontece que o rapaz logo declarou que precisava de ajuda para marcar um encontro com sua irmã Iclé. É com a Iclé, é com ela que o Petronio quer namorar.  “Ele me chamou para passear na Praça da Saudade e me revelou os seus propósitos, pedindo-me, insistentemente, que o ajudasse a conquistar Iclé”, revelou Elci às suas irmãs ávidas em ter notícias do passeio.

Petronio havia sido noivo por quase duas décadas de uma jovem amazonense, mas sentia fortemente no coração que não se tratava da pessoa escolhida para lhe acompanhar ao altar. Iclé era a escolhida e agora se trata de investir neste relacionamento. Discreta e recatada, Iclé foi prudente e resistente para aceitar a proposição. Era preciso conhecer, entender e confirmar em gestos, hábitos e condutas o alcance daquela provocação ou seria uma convocação? Iclé não mostrou muita empolgação no começo apesar da admiração que Petronio despertava em todas as Baraúnas, incluindo Dona Isabel, que não cansava de destacar o modo educado e refinado do pretendente, sua elegância e voz hollywoodiana, como conta Lúcia Baraúna.

Tão logo apareceu a figura de Petronio na vida de Iclé, chegara também na casa da Rua Ferreira Pena um gato sem dono, à procura de quem lhe desse guarida e atenção. A ele, por iniciativa de Iclé, foi dado o nome de Petronio, menos pelo sentido de beleza que se adota atualmente, e mais pela maneira insinuante de quem chegou e pediu para ficar, de acordo com o depoimento de sua irmã, Clio Baraúna.

“E CHEIOS DE TERNURA E GRAÇA FORAM PARA A PRAÇA E COMEÇARAM A SE ABRAÇAR”

O namoro teve início no final de 1957. Com freqüência diária, no fim da tarde, após o dia de trabalho de ambos, eles costumavam encontrar-se na Praça do Congressoconfluência da Avenida Eduardo Ribeiro com Rua Ramos Ferreira, ponto de encontro de jovens e adultos num momento da vida urbana de Manaus em que as famílias mantinham cadeiras na calçada ao entardecer e ali estabeleciam as relações sociais e de entretenimento sadio. Era ali, e por toda a extensão da Avenida Eduardo Ribeiro, que Manaus concentrava clubes, cinemas, confeitarias, restaurantes, escritórios, livrarias, jornais e emissoras de radio, lojas de varejo e o espaço de desfile do Carnaval, do dia do Amazonas e da Pátria. Como relata a historiadora Etelvina Garcia.

Em meados de 1958, já notável Assistente Social do Serviço Social da Indústria, Iclé foi selecionada para com uma bolsa de estudo em Natal onde ficou um longo tempo. Depois foi transferida pelo SESI para a cidade de Campo Grande, no Mato Grosso, onde eram realizados cursos e treinamentos tendo em vista promover a qualificação profissional de um contingente significativo de técnicos desta instituição. A separação do casal foi inevitável, mas só ocorreu depois de formulado um “pacto de sinceridade e confiança” que jamais foi violado. As dezenas e dezenas de cartas de amor trocadas entre os dois, nos anos de 1958 e 1959, são expressão sublime deste relacionamento que amadureceu e se consolidou com o tempo.

Embora Iclé não estivesse em Manaus, Petronio passa a ter idas cada vez mais constantes à casa das Baraúnas. Sua fama de bom garfo, como relata Rosana, a filha mais velha do casal, desde cedo se confirmou por conta de suas visitas acontecerem principalmente na hora das refeições. Num dos almoços, após se servir com fartura, seo Baraúna, comentou a sua desenvoltura à mesa, ao que o visitante respondeu: “Na verdade, o meu forte é o jantar”. 

NOIVOS DE UMA COMUNHÃO ETERNA: O CASAMENTO

Em 1960, com o retorno de Iclé para Manaus,  numa união que a espera iluminou e a distância fez crescer, ocorre o noivado e iniciam-se os preparativos para o casamento. Neste período seo Baraúna encontra-se adoentado e em tratamento no Rio de Janeiro contando com o suporte das filhas Clio e Vitória, que lá residiam com suas famílias. Em virtude deste fato, Iclé casou-se no dia 11 de novembro em cerimônia civil, em Manaus, mas pediu que o matrimônio religioso fosse realizado na capital carioca porque gostaria de dar ao seu pai a felicidade de conduzi-la ao altar.

Na tarde do dia 16 de janeiro de 1961, na Igreja de São Paulo Apóstolo,  em Copacabana, numa cerimônia simples e testemunhada pelo pai e pelas irmãs Clio e Vitória, acompanhadas de seus respectivos maridos e de Regina e Moacyr Pinheiro, representando o seo Nilo, pai de Petronio, também acometido de câncer e impossibilitado de viajar; casaram-se Iclé e Petronio. Ele com 38 anos e ela com 36 anos de idade.

A Chegada da penca de filhos…

Os primeiros anos da vida de casal foram vividos em completa doação às suas famílias: seu Baraúna vem a falecer poucos dias antes da chegada de Rosana, a primogênita do casal que nasceu em 1961, no primeiro dia do mês de setembro; logo em seguida, seo Nilo teve sua saúde agravada e foi levado pelo filho Petronio para se tratar em São Paulo. A distância da filha recém nascida batizada com o nome de Rosana (Rosa para Ana, homenagem prestada pelos pais à avó materna) é por demais sentida e registrada em todas as correspondências trocadas neste período. Nelas,  Petronio repetidas vezes envia benção à sua “Picuchinha”.

Em 10 de outubro de 1962, nasceu Petronio Filho e, no mesmo mês do ano seguinte, no dia 23, nasceu Márcia.  Rodrigo veio ao mundo em plena folia de Carnaval, no dia 15 de fevereiro de 1965. Iêda aguardou dois anos e chegou em plenos festejos juninos, no dia 19 e assim finalizou a penca de cinco rebentos.

Na opinião do amigo Cesare de Florio La Rocca   “Eles formavam uma unidade, no sentimento, no compromisso familiar, nos empreendimentos e na comunhão espiritual. Não era possível compreender a conduta de um desvinculada da relação com o outro.”

No depoimento do Dr. Efrem Jorge Ferreira, amigo da família, “Eu não consigo dissociar o seu Petronio, da dona Iclé, pra mim os dois eram uma pessoa só, em termos de vida, de caráter, de convivência, e eu acho que o que hoje os filhos são é conseqüência da criação que seu Petronio e dona Iclé deram a eles, são pessoas amigas, companheiras, justas, honestas, e o convívio deles é um convívio muito agradável…não tem brigas, nem divergências, e as que tem são resolvidas na conversa, pra mim o seu Petronio é a família que hoje está aí, são seus filhos e filhas.

Rua Paraíba, 334

Tal qual acontecera na casa da Rua Joaquim, 1414; a casa da Rua Paraíba, 334, guardadas algumas peculiaridades, foi cenário de grandes acontecimentos marcados sempre pela forte presença da família ampliada em festas, encontros dominicais, férias, encontros para estudos, jogos, aventuras mil. Aventuras protagonizadas pela leva dos 5 filhos, primos e amigos que se associavam à tropa para desfrutarem do amplo quintal da residência localizada na Vila Municipal.

Petronio e Iclé não se furtavam em se unir à turma para brincar de boca de forno, jogar futebol e tomar um gostoso banho de chuva  com direito a usufruir da torrente d’água que caia da calha do telhado. O casal era considerado pela maioria de seus sobrinhos,  tanto os de sangue como os de coração, como os seus “segundos pais”, como relata o sobrinho Ralph. Apesar de ambos interagirem muito bem com o ‘público mirim’ era Petronio que flexibilizada as regras da casa, enquanto cabia a Iclé puxar as rédeas e vez por outras  dar “broncas” que causavam pânico a quem a recebia. Não respeitar o sacrossanto horário da sesta era uma das situações que tirava dona Iclé do sério.

Mais do que um quintal, aquilo era o pomar dos deuses. A variedade de frutíferas oferecia cores e sabores em profusão. Frutas que eram disputadas pela tropa tão logo amadureciam: manga de diversas espécies, tangerina, laranja, laranja-lima, araçá, abiu, cupuaçu, biriba, castanhola, azeitona-preta, cacau, açaí… que saudade e que vontade de rodar pra trás a girada do tempo!

Uma verdadeira heroína, na árdua tarefa de ‘tomar conta’ da cambada inquieta, foi a querida Tia Nazaré. Todas as sextas-feiras o ritual se repetia: por volta das 17:00 horas Petronio ia buscá-la na Drogaria Lemos, situada na Rua dos Barés onde trabalhava e, com a bolsa já repleta de chocolates e tortas importadas, adquiridas na Lobrás, Booth e no Pag-Lev, entrava no carro para passar um nada tranqüilo fim de semana junto aos sobrinhos e compadres, na companhia também de dona Isabel. Ela também foi companheira do bando nas inesquecíveis férias vividas em Mosqueiro e em Salinópolis, na primeira vez que o mar foi apresentado pelo casal Petronio e Iclé aos seus ‘ribeirinhos’.

A vó Isabel, que na década de 80’ foi morar na casa da Rua Paraíba, também integrou o mutirão de ajuda à filha Iclé e suas jornadas múltiplas de trabalho, com prioridade nos cuidados com seus filhos. Sempre atenciosa, com voz mansa e imensa serenidade, era mestra em apartar brigas; tratar de eventual dor de cabeça com uma prece feita sob o enfermo pedindo ajuda com o sinal da cruz; além de emprestar alguns trocados para que os famintos netos pudessem esvaziar o carro de pipoca ou o latão de cascalho para ludibriar a fome na merenda da tarde.

Petronio via na prática desportiva um instrumento valioso para disciplinar, socializar e desenvolver o ser humano, por isso desde cedo incentivou os filhos a praticarem qualquer que fosse a modalidade esportiva desejada: judô, natação, vôlei, atletismo, basquete e boxe. Outro aspecto não desconsiderado na educação dos filhos foi o apoio e incentivo para o estudo, principalmente, da língua inglesa. Depois de concluírem o curso do IBEU, Márcia, Rodrigo e Ieda foram aperfeiçoar o aprendizado nos Estados Unidos.

Escolas de Pais – a Partilha de Vida.

Os anos sessenta foram marcados por grandes transformações na história, nos valores e costumes de todo o planeta: viagem espacial, guerra-fria, movimento hippie, o concílio Vaticano II, os Beatles… Os pais se viam embaraçados e sem perspectivas quanto aos novos padrões e valores de educação dos filhos. Foi assim que, também preocupados com essa problemática, um grupo de religiosos da Igreja Católica, juntamente com inúmeros casais leigos, reuniram-se com a finalidade de estruturar um movimento que pudesse ajudar os pais na difícil tarefa de educar os filhos. Em 1963, partindo de um modelo existente na França, nascia a Escola de Pais do Brasil.  O movimento não demorou a chegar ao Amazonas. Segundo um dos seus participantes a Escola de Pais se implantou em Manaus no final dos anos 60 e foi dirigida por longos anos por Iclé e Petronio Pinheiro, juntamente com Nuno e Maria Cunha,  Heitor e Nícia Dourado, entre outros.

Durante mais de dez anos, com reuniões semanais na Casa da Criança, na Rua Ramos Ferreira, o casal Petrônio e Iclé dentre outros, colaboraram efetivamente para que os objetivos da entidade fossem atingidos: reforço à família, conscientização da paternidade responsável; transmissão de conhecimentos básicos de psicologia e pedagogia e de técnicas educativas que favoreçam a reformulação de conceitos e a convivência entre pais e filhos. Era uma verdadeira escola, no sentido da reflexão e da aprendizagem, para tratar dos interesses da família, de uma forma mais ativa. Eles se atualizavam constantemente através de reuniões de estudo, debates de livros, seminários e congressos nacionais cujos temas versavam sobre: Educação no mundo atual; Amor e segurança – alicerces de um desenvolvimento sadio; Mãe, esposa e mulher – sua atualidade; O pai e o exercício da paternidade; A maturidade dos pais na vivência familiar;  Ação Educativa na infância e na meninice; Dificuldades para se educar; Ação Educativa na Adolescência; Sexualidade Humana. 

A Selva

Numa civilização que prioriza o aparente e acidental em detrimento do essencial, o brilho áureo da vida em comunhão nos provoca e convoca a uma reflexão sobre o sentido de nossa presença no mundo. Qual é mesmo a razão maior do existir? O que significa relembrar e visitar as famílias que se reuniam no Sítio do Tio Dourado, chamado de Selva pela criançada, senão constatar que eles haviam acessado a chave desse enigma transcendental do viver e conviver e contemplado essa beleza tão antiga e sempre nova de que falava Santo Agostinho ao descobrir a boa-nova do Amor? No esplendor de sua simplicidade, revisitar essa convivência nos motiva a renovar a virtude da esperança por dias mais fraternos.

É importante dizer que se os encontros dominicais no sítio da família Dourado permitiam à gurizada desfrutar de saudável entretenimento, movido à aventura com longas excursões pelos leitos dos igarapés sob o comando de Petronio e Dourado. Aos adultos as reuniões propiciavam um salutar debate em torno de temas emergentes em escala global. Os amigos ao se reunirem brindavam o prazer de conviver; de compartilhar sonhos, projetos, temores e amores que a vida em família desperta e traduz.

O susto, a presença e o desbravador

Foi na Selva que a família viveu um grande susto. Num domingo, depois conversar, tomar banho de igarapé e almoçar um delicioso churrasco, Petronio foi tirar a sesta deitado na areia, de baixo de uma das cabanas de palha. Enquanto ele descansava, parte da turma jogava bola. Um dos tios que estava indo embora de carro não viu Petronio deitado e passou por cima dele. Ao ouvir os gritos das pessoas ele parou e todos foram levantar o carro que já estava meio atolado na areia, para retirar Petronio de baixo do veículo. Quando o puxaram viram que a descarga do carro havia grudado em toda a área do abdômen o que resultou numa queimadura de terceiro grau que atingiu também os braços e as coxas. Com tio Dourado no comando, Petronio foi levado imediatamente ao hospital Getúlio Vargas onde recebeu os primeiros socorros. Em função desse acidente ele ficou em casa por mais de 2 meses em recuperação. Um momento mágico e precioso para os filhos, o de ter o pai em casa só para eles. Foi nesta época que o desbravador americano Daniel Boone passou a fazer parte das tarde da família que se reunia em torno da TV para assistir ao seriado do novo ídolo de Petronio, Iclé, filhos e sobrinhos.

Convívio e celebrações de uma Família

Os aniversáriosbatizadosalmoços de domingo, festas juninas, natais, páscoa e até casamento da família foram protagonizados nas várias dependências da inesquecível morada da Rua Paraíba, 334. Mas de todos os eventos, o campeão de audiência era o aniversário da filha Iêda por ser no mês de junho. Todo dia 19 o quintal se transformava num grande arraial e a festa tinha direito a quadrilha, pau de sebo, quebra-pote, fogueira, corrida de saco e até a contratação do “Garrote Pena de Ouro”. Iclé juntava filhos e sobrinhos para fazer as bandeirinhas destinadas a enfeitar o quintal e confeccionar cones coloridos de papel de seda para acondicionar a sua famosa paçoca.

Mas não era só de festa que a casa vivia por lá passava sempre muita gente dentre os quais alguns desabrigados e outros em convalescença. Quem ali chegasse encontraria uma refeição, um ombro amigo, um clima de acolhida e celebração permanente de harmonia.
Lissa Nakamura, filha do cônsul geral do Japão em Manaus, viveu seis meses na casa da família Iclé e Petrônio Pinheiro, pois seus pais foram transferidos para outra localidade. Ela era amiga de Iêda no colégio Nossa Senhora Auxiliadora, e ficou morando em sua casa para não perder o semestre escolar. Lissa relata o clima familiar, educacional e cristão que experimentou nesse período.

Luiz Otávio Rodrigues da Silva, um jovem de origem humilde, era aluno do Colégio Ida Nelson, uma tradicional escola da Igreja Batista, considerada referência em qualidade de ensino e formação moral, no Amazonas. Ele era contemporâneo de Rodrigo, o filho mais jovem de Petronio e Iclé. Um dia, este chegou em casa e contou aos pais o drama do colega, carente de cuidados especiais, por razões de doença, que lhe exigia alimentação especial e repouso absoluto em ambiente arejado e saudável. Sua condição familiar, porém, não atendia às exigências médicas. Imediatamente, Rodrigo foi por eles instruído a chamar o colega para casa, a despeito dos riscos de eventual contágio de sua moléstia. Luiz, em poucos meses se recuperou completamente, e hoje, farmacêutico e bioquímico, é um servidor público, jovial e dinâmico, que se dedica a viabilizar projetos de nutrição popular para comunidades carentes dos municípios do interior.

Nesta fase era recorrente, também unir as famílias deixadas por seo Nilo, juntando os filhos de Iclé e Petronio com os de Alfredo e Geralda, acompanhados de seus achegados, para passeios nos barcos de pesca e piqueniques na Fazenda Manacá, localizada à margem do Rio Amazonas, na boca de baixo do Lago do Aleixo, sob a confluência do Encontro das Águas.

Juventude: educação como prática de liberdade

Os filhos contam que numa certa noite os pais os chamaram no quarto do casal para uma conversa.  Estas reuniões de família aconteciam vez por outra quando haviam decisões a serem tomadas e regras a serem estabelecidas; mas disso acontecia sem a consulta aos filhos. Esta noite, porém, se tratava de uma reunião corriqueira. Num tom sério, contido, firme, Petronio introduz o discurso sinalizando aos filhos que atingira a idéia média de expectativa de vida do homem brasileiro e que, portanto, era necessário falar do futuro sem a sua presença. Frente ao olhar atônito dos filhos ele prossegue dizendo que na sua falta toda a atenção e cuidado deveriam ser dados à ‘mãe’ e pedia dedicação máxima aos estudos de modo a garantir futuro promissor. Ele estava com 56 anos de idade. Este acontecimento marcou profundamente a juventude dos filhos e teve desdobramentos ao longo de suas vidas.

Alguns filhos manifestaram a ele o desejo de começar a trabalhar e postergar os estudos, visão que ele nunca comungou, insistindo que deveriam se aplicar e extrair o máximo dos estudos para posteriormente se dedicar com competência na carreira que escolhessem. E assim foi feito.

Filhos… criados para o mundo!

Petronio sempre foi muito próximo aos filhos para ouvi-los nos momentos de dúvidas e apoiá-los nas escolhas que deveriam fazer. Nunca interferiu na opção profissional, mas sempre procurou aconselhar e ajudá-los no discernimento. Vibrou intensamente com a entrada de cada filho no ensino superior e sempre buscou manter-se informado do que ocorria com cada um na vida universitária. Aliás, por alguns anos sua casa foi freqüentada por uma nova leva de jovens, fruto das novas amizades feitas no meio acadêmico. Não raras vezes ele era incluído nos debates e interagia com o grupo compartilhando seu conhecimento intelectual e experiência humana, o que acabava conquistando os atentos ouvintes.

Rosana, Márcia e Rodrigo graduaram-se na Universidade Federal do Amazonas, sendo elas em Serviço Social e ele em Agronomia. Petronio e Iêda formaram-se no Rio de Janeiro, ele em Direito na Pontifícia Universidade Católica e ela em Comunicação na Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso.
Tão importante quanto à escolha profissional, foram às escolhas dos filhos no que se refere à constituição de suas novas famílias. Petronio e Iclé acompanharam de perto e atentos o período de namoro e de noivado de cada filho. Após a efetivação de cada matrimônioas noras e genro foram acolhidos no seio da família como se filhos fossem. E nunca faltou palavra amiga, apoio, solidariedade nos momentos difíceis que qualquer jovem casal atravessa.

Os netos: filhos e filhas duas vezes de um amor, cuja história haveriam de continuar a escrever

Os netos, para Petronio e Iclé, sempre foram um presente de Deus, uma herança que lhes foi entregue sem inventário, nem discussão. O sangue do seu sangue, filho do filho, mais filho que filho mesmo… Eles chegaram num momento da vida onde havia mais calma, um clima de serenidade e maturidade que decorre do arrefecimento da luta, em que há mais tempo para as prioridades de verdade, e sabedoria para distinguir o essencial do acessório. Foi assim para Petronio e Iclé, que se casaram já mais amadurecidos e resolvidos no desafio de adubar a sublime semeadura familiar. Os netos já chegaram com a terceira, ou seja, a melhor idade para acolher, cuidar e amar inteiramente.

Como ilustra a escritora Raquel de Queiroz, “A velhice tem suas alegrias, as suas compensações: todos dizem isso, embora você, pessoalmente, ainda não as tenha descoberto, mas acredita…. é uma saudade de alguma coisa que você tinha e que lhe fugiu sutilmente junto com a mocidade. E então, um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da gestação ou do parto, o doutor lhe coloca nos braços um bebê. Completamente grátis, nisso é que está a maravilha. São amores novos, profundos e felizes, que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixados pelos arroubos juvenis. É quando vai embalar o menino e ele, tonto de sono abre o olho e diz: Vó, seu coração estala de felicidade, como pão no forno!”.

Com uma dose de generosidade específica e dedicação exclusiva a cada neto, foi esse o clima de expectativa e encontro que surpreendeu o casal Petronio e Iclé com a chegada dos netos, cada um a seu modo ansioso para  compartilhar com os pequeninos o melhor daquilo que a vida lhe ofereceu,  os valores, as cores, as lições e todas as formas de amor e comunhão. Do avô Petronio, o ímpeto pela aventura do conhecimento, da descoberta, do fazer acontecer, da compreensão do mundo, a atração pelos clamores da floresta, suas riquezas, lendas, códigos e mistérios.  O sentido da partilha, do companheirismo, da humildade e da gratidão.  Da avó Iclé, o impulso da solidariedade, da acolhida humana, que se funda na certeza de que ninguém é melhor do que ninguém, pois somos todos irmãos, filhos do mesmo Pai. A dignidade com sobriedade e elegância, a beleza da nobreza, do gesto refinado sem ser afetado, sem motivo de ostentação. “Filhos e filhas duas vezes de um amor”  cuja história haveriam de continuar a escrever.