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Biografia

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OMNIA VINCIT LABOR (O trabalho vence tudo)

A expressão virgiliana – Omnia vincit labor – retirada do poema Geórgicas (70 a.C.) e transcrita no frontispício das escadarias do Colégio Dom Bosco de Manaus, inevitavelmente lida e relida por alunos e professores no trajeto cotidiano às salas-de-aula, e reiteradamente comentada pelos educadores na prédica ligeira e diária que antecedia a rotina escolar, se transformou no pilar e fio condutor para a compreensão da vida de onde estudou Petronio Augusto Pinheiro, conforme o relato de seus contemporâneos. Fundado em julho de 1921, a pedido de Dom Irineu Joffely, então bispo da cidade, o Colégio Dom Bosco foi um marco histórico para Manaus por propiciar sólida formação intelectual e moral aos jovens da cidade e do interior do Estado. Além do colégio, também o consagrado Oratório Festivo, que funcionava nos fins de semana, se constituía num privilegiado espaço pedagógico voltado para todo tipo de atividade esportiva, lúdica, cultural e espiritual. Petronio tornou-se freqüentador assíduo destas atividades juntamente com seus colegas, dentre os quais se destacam Moysés Benarrós Israel, José Ribamar Bentes Siqueira e Raimundo Side. A robusta espiritualidade salesiana, transmitida com vigor e entusiasmo pelos religiosos a sucessivas gerações de jovens amazonenses, mostrou-se, no tempo, capaz de forjar valores e atitudes que descortinaram novos horizontes para as incipientes trajetórias pessoais e profissionais, inspirando projetos de vida audaciosos e de solidariedade cristã.

O nascimento de Petronio Augusto Pinheiro – Uma constelação fulgurante

Filho de Francisco Nilo Pinheiro e Ana Angélica Pinheiro, um casal de migrantes vindos do Ceará, atraídos pelas promessas de prosperidade e fartura propiciada pela seringueira, o ouro branco, Petronio nasceu no dia 02 de fevereiro de 1922, no seringal Monte Cristo, e foi criado desde a primeira infância no seringal Conceição do Raimundo, município de Carauari, às margens do Rio Juruá, a 654 quilômetros da capital. Alfredo era seu irmão mais velho que chegara dois anos antes; depois dele nasceu a irmã caçula que veio a falecer de encefalia, ainda recém-nascida.

A Data em que nasceu Petronio Pinheiro é uma conjunção binária curiosa: 2/2/22, que sugere, de acordo com os numerólogos, uma postura visionária, refinamento de ideais, intuição apurada, atenta à revelação e à comunhão transcendental, capaz de unir vidas e propósitos, na dialética rara de partilhar e empreender.

Profecia ou crendice, o fato é que o dia do aniversário de Petronio Pinheiro é uma data plena de grandes eventos e extraordinários rebentos. Remete, por exemplo, à descoberta do Rio Amazonas, na lendária expedição de Francisco Orellana, em 1542. É o dia em que a crença do povo homenageia Mãe-d’Água, ou Iemanjá. E coincidência ou fato, Petronio era um apaixonado pelas águas dos rios da Amazônia. Dois de fevereiro é também a data na qual a Igreja Católica se curva à Nossa Senhora da Luz, ou da Candelária, e celebra a Apresentação do Menino Jesus no Templo e a Purificação de Maria.

Para compreender melhor a figura deste amazonense nascido no Rio Juruá, é necessário conhecer, ainda que de relance, a trajetória dos seus antepassados, marcada por muita labuta, sofrimento, otimismo, fé e solidariedade.

Nas barrancas do Juruá

A primeira leva da família Pinheiro para a Amazônia foi empreendida pelo casal Abel Pinheiro Maciel e Ana Angélica Pinheiro Maciel (avós maternos de Petronio e primos entre si), provavelmente por volta da última década do século XIX, após a seca de 1888 e a de 1893 que espalhou um cenário de extrema penúria por todo o Nordeste brasileiro.

Toda a região do Juruá, incluindo os municípios vizinhos do Estado do Acre, ficou apinhada de nordestinos que, na dedicação persistente de reconstruir a própria vida e de suas famílias, acabaram desenvolvendo e se integrando nas regiões onde habitavam. Com os Pinheiros não foi diferente. Dentre eles destaca-se o jovem Abel Pinheiro Maciel Filho que sendo médico, se especializou em hanseníase e tratou com indiscutível competência o imenso contingente de doentes que residiam nesta região. Por seu espírito público e generosidade foi feito governador do Acre, na última gestão presidencial de Getúlio Vargas. A história estava apenas começando. Na seqüência vieram os outros Pinheiros: Manoel, Álvaro, Abel, Ana Angélica (mãe de Petrônio), Antônio, Raimundo e Maria Regina, que estavam na região desde o final do século XIX, como relata a professora Terezinha Pinheiro Maciel, prima de Petronio, uma educadora doutorada na Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e pesquisadora das origens da família e dos seus troncos familiares.

O pai de Petronio, Seo Nilo,  veio no grupo de migrantes que se estabeleceu no Juruá, enquanto outros foram principalmente para Cruzeiro do Sul, no Acre. Lá trabalhou como seringueiro e somente depois de muitos anos de labuta passou à condição de seringalista desfrutando de uma vida um pouco menos penosa se comparada àquela que tivera seus conterrâneos vindos do Nordeste. Mesmo assim, sofreu das vicissitudes que marcaram a vida dos que vieram povoar a Amazônia: contraiu hanseníase e sua mulher Ana Angélica faleceu ainda muito jovem, vitimada de esquistossomose, enfermidade chamada popularmente de Barriga-d’água; deixando órfãos Alfredo e Petronio, este com 9 anos de idade.

Com o intuito de oferecer aos filhos um futuro promissor, que em sua tábua de valores só o conhecimento poderia prover, seo Nilo decide mandar os dois filhos – Alfredo e Petronio – para estudar em Manaus na companhia de sua irmã solteira, chamada carinhosamente pelos dois meninos de Tia Du. Era um caminho natural para as famílias que dispunham de um mínimo de recursos e que vislumbravam a necessidade de prover outros caminhos para os próprios filhos, conscientes das dificuldades e redução das perspectivas da economia do extrativismo. Em carta simbólica e ilustrativa, dirigida à tia Natércia, chamada também de Mulata a quem Petronio muito amava, e que na ocasião se encontrava em Cruzeiro do Sul, ele revela a sua expectativa com a mudança e comenta os preparativos, fazendo clara alusão ao  sistema de ensino doméstico conduzido por sua tia Dulce, e principalmente, à situação financeira da família.

Lembranças e aprendizagens da floresta

Nos relatos que fazia aos seus filhos e amigos, a vida no seringal era sempre revisitada  com encanto; os ouvintes logo percebiam que se tratava de um evento extraordinariamente marcante do qual se poderia extrair a principal chave de leitura para compreender a sua trajetória de vida. A instituição familiar, os pilares espirituais, o estabelecimento de vínculos de amizade, o respeito ao sagrado, estendido aos mistérios da floresta e às leis da Natureza e, principalmente, o elevado conceito de trabalho  foram valores sobre os quais Petronio construiu sua existência. A sabedoria do calar para ouvir a voz da floresta, seus ditames e ciladas, rendeu-lhe  a preciosa habilidade de saber ouvir para só depois se pronunciar; e foi no tirocínio das dificuldades ele aprendeu a forjar um espírito guerreiro, a enfrentar, destemido, os obstáculos priorizando sempre uma postura otimista. Ele entendeu desde muito cedo que a vida não espera por quem fica esperando que ela aconteça.

Um autodidata – a paixão pelo conhecimento

Se no Colégio Salesiano Dom Bosco, onde concluiu o ginásio e o colegial, consolidou os ensinamentos de seo Nilo, de oração e trabalho, Omnia vicint labor, foi na labuta do Seringal da Conceição do Raimundo que ele cursou e se qualificou em Ciência do Ambiente, um conhecimento apaixonado pelas coisas da floresta que marcará toda sua vida. Conhecer é crescer e libertar-se da pobreza mais hostil que é a ignorância. Foi extremamente marcante, um episódio de sua infância e adolescência no seringal, protagonizado por Geraldo, um afilhado de seo Nilo, que virou comandante de avião da antiga Companhia Panair do Brasil. A pedido do padrinho, jogava pela janela do avião, um pacote contendo jornais e revistas da época, uma encomenda esperada ansiosamente que cumpria o papel de saciar a sede de informação e novidades de um país em transformação. O conhecimento a serviço do crescimento intelectual e do exercício da cidadania. Nesse contexto, ainda no seringal, seo Nilo estimulava a busca do conhecimento por meio da leitura dos livros disponíveis, da atenta audiência aos noticiários das rádios, em particular da BBC de Londres que, com seu ritual próprio de um país rico e desenvolvido, trazia o mundo para a floresta por meio de ondas sonoras. Tudo era pauta de prosa e esclarecimento na tradição oral no convívio diário com as pessoas que trabalhavam ou passavam pelo seringal. Petronio, depois, já em Manaus, aguçou sua avidez pelo conhecimento, lia muito e regularmente, recortava e arquivava, num tempo sem conexão digital e informação instantânea, tudo o que lhe chamasse atenção e pudesse ser útil na vida, na família, nos negócios.  Acompanhava diariamente os principais jornais e telejornais e se interessava por documentários e reportagens especiais. Sempre que estivesse a seu alcance, ouvia a Voz do Brasil e era ouvinte fiel da crônica do radialista Josué Cláudio de Souza, que fazia editoriais belíssimos, lidos ao meio-dia na Rádio Difusora do Amazonas, abordando temas, problemas e episódios à luz da moral cristã e da ética universal. Para ampliar conhecimento e aumentar suas fontes de acesso, Petronio costuma adquirir livros, enciclopédias, dicionários, mapas e publicações especializados,  dentre elas as de agronomia e pecuária, sua predileção temática. Essa busca pela informação e pelo interesse público estava presente no acompanhamento próximo das obras públicasFreqüentemente, ao passar diante de um canteiro de obras, cumpria uma espécie de ritual: descia do carro, lia a placa para se inteirar do se tratava, qual o valor, o prazo de execução, a extensão, o engenheiro e a empresa responsável pela viabilização, e o que mais houvesse de informação relevante. Ao voltar pra casa, replicava muitas vezes com entusiasmo a informação obtida, torcia pela realização e fazia dela instrumento de educação moral e cívica de filhos e sobrinhos, apostando e estimulando o papel de todos na colaboração, acompanhamento e conquista do progresso lícito e digno, para benefício geral, ou seja, sustentável, como se diz atualmente. 

A CASA DA JOAQUIM NABUCO, 1414

A mudança para Manaus aconteceu. O palco inicial foi um sobrado de arquitetura portuguesa, nas proximidades do Hospital Beneficência Portuguesa, na Rua Joaquim Nabuco, número 1414, no Centro de Manaus, que foi comprado com as economias do látex em derrocada, e tornou-se o lugar referencial de muitas estórias que Petronio passou a viver a partir dos 14 anos quando veio do seringal, com seu irmão Alfredo, continuar os estudos e galgar uma profissão. Ele gostava de contar a todos os episódios que marcaram os anos da 1414, como costumava chamar a casa comprada por seu pai, Francisco Nilo Pinheiro, onde morava com seu irmão Alfredotia Dulce, Tio Moacir, Tia Regina, primos legítimos entre si, e o primo Edmilson Moreira Arraes que, do porão da 1414, tornou-se Procurador Geral da Fazenda Nacional no período de junho de 1961 a agosto de 1962. Na 1414, eram lendárias as celebrações dos aniversários e a recepção de amigos, ou dos parentes. Nestas ocasiões o prato principal era sempre a tartarugada preparada inconfundivelmente por Dedé, que morava com a família do seu irmão Alfredo; e havia um ritual: as crianças sentavam-se ao chão ao redor do casco de tartaruga, guarnecido fartamente de farofa, preparada com farinha do Uarini e pedaços do delicioso bicho de casco, enquanto que os adultos sentavam-se à mesa.

A casa cumpria várias funções, e atendia múltiplas necessidades e rituais: além de reunir e fortalecer o espírito de comunhão da família Pinheiropor seu tamanho e ótima localização, abrigava os parentes e os colaboradores quando vinham do Seringal ou do Ceará. Tornou-se em seguida ponto de encontro de amigos que se achegavam dispostos a falar da vida, debater sobre negócios e sobre os acontecimentos que sacudiam o Amazonas em transformação. A pauta, regada a café, tucumã e farinha, versava sobre a penúria da II Guerra, à vinda de Getúliodos Soldados da Borrachada refinaria do I.B. Sabbá, da visita de Juscelino, da carestia e falta de perspectiva de uma cidade que tivera seu auge na Belle Époque e amargava a estagnação, que era preciso superar. Nesta casa Petronio viveu até casar-se, mas continuou freqüentando-a como extensão de seu lar e referência familiar.

“AMIGO DE FÉ E IRMÃO CAMARADA”

Desde aí, um traço que mais distingue a personalidade de Petronio, dando-lhe uma nota de autenticidade singular, é a capacidade de fazer e cultivar amizades. Raras vezes pessoas com as quais ele conviveu no campo profissional não passaram à condição de amigos diletos. Terminada a prestação de serviço ou o convívio do vínculo profissional, se o interlocutor tivesse revelado valores e princípios afinados com os dele, a relação passava à esfera privada e, naturalmente, a introdução ao convívio familiar. Daí pra frente, o vínculo se perenizava ainda que testado por involuntária distância. Petronio tinha uma capacidade enorme de fazer e manter amizades. Um exemplo, entre tantos, foi o de Edmilson Arraes, um advogado do Rio de Janeiro, que o ajudou na penosa empreitada frente à desapropriação do terreno da EMBRATEL, que se tornou um amigo para a vida toda. O mesmo aconteceu em relação aos proprietários da Companhia Caravelas de Transportes, Fred, Fábio e Aurélio que, de tanta identificação e empatia, passaram as ser muito mais que fornecedores, amigos, tesouros pra se guardar embaixo de sete chaves.

Depois que concluiu o colegial, atual Ensino Médio, iniciou no mundo do trabalho, tanto na Associação Comercial do Amazonas como na Companhia Nacional de Borracha, enquanto seu irmão Alfredo foi para Belém, nos anos 40, onde estudou até o segundo ano de Medicina, mas voltou para o seringal Conceição do Raimundo, objetivando ajudar Seo Nilo no II Ciclo da Borracha, quando o governo dos Estados Unidos precisou deste produto para suas indústrias, durante a Segunda Guerra Mundial. No ingresso de Petronio na Associação Comercial do Amazonas como na Companhia Nacional de Borracha, se deu um encontro com Cosme Ferreira Filho, que marcou toda sua vida. No discurso na FIEAM, em 1985, quando foi eleito o Industrial do Ano, Petronio assim se refere a este vínculo: “Foram 27 anos de amizade com a oportunidade de assimilar toda uma filosofia de trabalho, voltada para a racionalização da produção de nossas principais espécies econômicas, visando a sua industrialização final no Estado”, (…) “… um eminente e consagrado amazonólogo, Cosme Ferreira Filho, antes de chefe, um autêntico mestre, orientador dos mais jovens, a quem o Amazonas tanto deve”.

Solidariedade e austeridade, a família ampliada

Petronio facilmente inseria os grandes amigos, além das pessoas necessitadas, na categoria ampliada de seu conceito de família. E o fator familiar movia o clima de comunhão, lazer, descontração e solidariedade, embalado por um perfil humano despojado, sem ostentação nem vaidades. Petronio era conhecido como o homem de dois ternos. Um no corpo e o outro na lavanderia, tal a simplicidade e austeridade de sua conduta e condição de vida. Os mais íntimos o chamavam de Colecionador de Alfinetes, por sua absoluta recusa em desperdiçar qualquer coisa. Isso lhe custou a fama de pão-duro, por declarar-se abertamente contra quaisquer despesas ou gastos supérfluos.

Essa austeridade, porém, não se aplicava às relações, pois a generosidade e cumplicidade fraterna foram suas marcas registradas, do viver com e para a família e amizades que daí florescessem. Como dizia seo Nilo, “Um Pinheiro nunca deixa um companheiro para trás”. 

UNIVERSIDADE DO JURUÁ

Assim era denominada a reunião festiva sempre que Petronio, seu irmão de sangueAlfredo, e de adoção, Jaime,  Joacy e Edmundose encontravam. Os temas ligados à vida no Juruá era a pauta imutável. Em torno de uma fogueira enquanto se assava um bom churrasco ou um bicho de casco, regados a cerveja gelada, as lendas da cobra grande ou do jacaré batedor, ou ainda a do “quincaju”, também conhecido como macaco-da-noite, quincaju ou, do inglês, Kinkajou, tinha a terrível fama de seccionar o tendão de aquiles de um desatento seringueiro. Ou do Mapinguari, eram contadas e assistidas com enorme curiosidade pela legião de amigos, funcionários, filhos e netos.

A CASA DA RUA PARAÍBA 334

Depois, da 1414, passarela de emoções primitivas e preciosas, quando Petronio casou com Iclé, eles foram morar na Av. Getúlio Vargas, quase na confluência com a Rua Joaquim Nabuco, entre outros endereços, antes de mudar para a casa da Rua Paraíba, 334, outro palco de muita vida, descobertas e partilhas inesquecíveis. Por muitas décadas e pelo menos duas vezes por semana, o casal recebia amigos para prosear. Seus filhos lembram muito bem disto porque assim que eles chegavam a meninada ia-lhes ao encontro cumprimentá-los e, sempre que possível, participar da conversa. Passados os momentos iniciais de acolhida, dependendo da pauta na ocasião, os pais os aconselhavam a se despedir porque a conversa iria restringir-se ao mundo dos adultos. Depois com o tempo, já crescidos, mente mais aberta e espírito mais atento, foram assimilando e degustando o prazer que aquelas reuniões ofereciam.  Estavam, pois, aptos a aprender e crescer na arte de fazer amigos, assegurando assim a perpetuação dessa marca registrada e peculiar da família Baraúna Pinheiro.

O radinho de pilha e a confraria dos sábios

Algumas cenas em família insistem em permanecer no acervo de nossos registros provavelmente pela importância de vida que representam ou pelos afetos que encerram. Na espaçosa varanda da Casa da Rua Paraíba, ali se reuniam para as confabulações dominicais, expoentes da cultura clássica e regional do Amazonas, em torno de uma garrafa de café, uma cesta com tucumãs ou uma tigela de coalhada fresca. Um time da pesada mobilizado por seo Petronio e que incluía Epaminondas BarahúnaJosé Alípio de CarvalhoJosé Ribamar Bentes SiqueiraAlfredo Jacaúna PinheiroAmbrósio Assayag, Cesare de Florio La Rocca, Guilherme Fregapanni, Orlando Garcia, Heitor Dourado e, vez por outra, José Lindoso, Roberto Gama e Silva, Severiano Mário Porto, Mário Antonio Susman e Rui Lins, para citar os mais assíduos.

O tema central do falatório era invariavelmente o mesmo: a Amazônia  no contexto nacional e as oportunidades que se vislumbravam com o advento da Zona Franca de Manaus. Na pauta da prosa amazônica não poderiam faltar as especulações e as teses históricas para elucidar a derrocada dos seringais. O que fazer para evitar uma nova débâcle? Como assegurar a perenidade do modelo ZFM? A competitividade assegurada em Lei e mais tarde petrificada, literalmente, nas disposições transitórias da Constituição Federal de 1988, sempre representou inquietação e incertezas pelas ameaças empunhadas por compatriotas que não conseguiram desenvolver o laço de pertencimento em relação à Amazônia. Cosmopolitas por formação e nativos por opção e compromisso, aquela confraria cabocla determinou uma visão de mundo e as escolhas e alternativas assumidas desde então. Havia entre todos a concordância sobre a grande e preocupante equação amazônica: a distância, pouco importando se percorrida de barco, por estrada ou avião. Esse aparente percalço condiciona a vida, compromete o desenvolvimento e dificulta preparar o futuro. Distância medida em dias, praias, légua de beiço, quilômetros, ou horas de vôo, onera o preço final e reduz a competitividade do sistema. A China chegou para demonstrar que a estória não é bem assim. E que aquelas deliciosas divagações escondiam o fascínio do desafio e o fio da meada de nossos avanços.

Entre as teses aquecidas pela energia do café e das iguarias regionais distraidamente consumidas, surge a novidade do radinho de pilha, a mais avançada tecnologia da informação do seringal. E de uma hora para outra, as explicações do seqüestro das sementes de seringueira para cultivo racional na Malásia, e outras especulações que equacionavam o fim do Ciclo da Borracha, foram momentaneamente esquecidas. O grande culpado da débâcle do Ciclo de pujança e esplendor, retomado pelo Brasil com a ajuda de Washington, na II Guerra Mundial, eram as ondas do radinho de pilha, que levavam aos seringueiros o preço da borracha nos mercados nacionais e internacionais sem ensinar a deduzir do custo do produto vendido o preço do frete, a estrutura logística de transportes e outros custos. Ora, se é assim, pensou o seringueiro, estão enganando a gente… é melhor mudar de ramo! É claro que a inconseqüência da prosa não pretendia substituir os fatos comprovados da História e se referiam aos teimosos seringueiros do beiradão que continuavam até os anos 60 a coletar leite de seringa para abastecer as demandas locais. Algumas reflexões, porém, podem ser aproveitadas dessa estória. A começar pela importância do conhecimento e da circulação desse conhecimento sobre a região. Aí, provavelmente, residem nossas dificuldades e desafios. Sabemos pouco de nós mesmos e dedicamos pouca atenção a nossa História. Costumamos exaltar nosso glamour e fausto que o látex propiciou, mas não refletimos devidamente sobre o papel da estrutura logística e de navegação que os ingleses montaram, investindo mais de 250 milhões de libras na construção de navios modernos e eficientes, feitos em aço nos estaleiros tradicionais da Escócia e ajustado às condições ambientais da região, que circulam por aí até nossos dias. Essa história, contada pelo médico e historiador Antônio Loureiro, num livro sobre Navegação no Amazonas, ilustra a necessidade de compreender melhor nossa memória e a importância do radinho de pilha, ou seja, da comunicação dentro da tribo. E mais: essa comunicação, pautada em cima de nossos interesses comuns de crescimento e prosperidade geral, precisa identificar os novos obstáculos da contra-informação e do atraso a impedir os avanços que as novas confrarias estão aptas a fabricar.

A ATUAÇÃO EM ENTIDADES DE CLASSE

Essa capacidade de aglutinar inteligências, ouvir as pessoas e transformar propostas em projetos e empreendimentos foi outra marca de Petronio que dava às amizades oportunidade de materializar intuições. Foi assim desde que entrou, muito jovem, para a Associação Comercial do Amazonas, onde Cosme Ferreira era diretor de uma entidade atuante, considerada pela opinião pública como Ministério do Desenvolvimento do Amazonas. Ao lado de Ribamar Siqueira  e Moysés Israel, amigos e contemporâneos salesianos, ele esteve presente nos momentos mais importantes da vida pública e dos negócios do Estado. O empresário Mário Guerreiro sustenta que a assinatura de Petronio, então vice-presidente da Federação das Indústrias, e diretor da Associação Comercial, constava do documento, firmado pelas lideranças regionais, exigindo a instalação do Projeto Zona Franca de Manaus, quando da visita do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco à Manaus, em 1966. Apesar das longas jornadas de trabalho e viagens pela Amazônia inteira, Petronio arranjava forças, tempo e dedicação para participar ativamente de Entidades de Classe. Pelo reconhecimento de seus pares, em torno desse dedicação e afinco, Petronio foi escolhido em mais de uma oportunidade, diretor vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, uma entidade da qual foi fundador e seu primeiro secretário, o cargo executivo de quem responde pelo gerenciamento e funcionamento da entidade. Atuou fortemente no Sindicato de Olarias e de Bebidas, quando foi escolhido pelo governo Henoch Reis para dirigir o Programa Pró-esporte, que ajudou a construir a Vila Olímpica, o estádio Vivaldo Lima e retirou das ruas milhares de adolescentes e jovens.

JURUÁ E MADEIRA, SURGE A JUMA PARTICIPAÇÕES S.A

Atento aos sinais de seu tempo e dedicado a monitorar e compreender as tendências no campo da Economia e da Política, fatores que interferem diretamente no conjunto das relações sociais e econômicas, Petronio e os seus sócios no Grupo Simões, no final da década de 80, constituíram as suas holdings familiares com o objetivo de proteger o patrimônio da inevitável pulverização do capital, em face da constatação de que as famílias crescem mais que as empresas, e do insaciável apetite do Fisco por novos impostos, buscando agora estender seus tentáculos sobre os bens duramente amealhados e transmitidos às futuras gerações a título de herança. Outro objetivo com a criação da holding era utilizá-la como ferramenta para cristalizar os valores e crenças do casal Petronio e Iclé, no âmbito familiar, empresarial e societário. Atualmente isso se chama Governança Corporativa. A Juma Participações tem no seu DNA, o nome é uma homenagem aos rios Juruá e Madeira, a harmoniosa relação com a natureza, colocando o ser humano e o atendimento às suas necessidades, como mola propulsora de seus empreendimentos empresariais. A empresa é dirigida pelos sucessores de Petronio e Iclé e a financiadora do Memorial Petronio Augusto Pinheiro.

CARABAO, A “REVOLUÇÃO”DOS PRETOS

Carabao Agropecuária Ltda. – O dia 09/09/1989, para a família do industrial e pecuarista Petronio, pode ser definido como o dia da independência na sua atividade de bubalinocultura. Após muitos anos de luta com a tradicional criação de gado, passando os animais da terra firme para a várzea e no sentido contrário, subordinado ao regime das enchentes e vazantes dos rios amazônicos. O filho Rodrigo é bem sucedido na sua busca em adquirir uma área de terra firme conjugada com várzea, que tronasse a transferência do rebanho opcional e não mandatória. O terreno adquirido do tradicional pecuarista Penido Queirós, situa-se na margem esquerda do rio Amazonas, próximo a Vila do Novo Remanso no município de Itacoatiara-AM.

O nome Carabao foi dado em homenagem a uma das quatro raças de búfalo criadas no Brasil, que Petronio tratava carinhosamente como seus pretos, tal o carinho e o cuidado dedicado aos animais. O projeto de pecuária bubalina revolucionou os parâmetros pecuários no Estado, imprimiu bravura  e mais espírito de aventura  à comunhão familiar, tornando as festas mais bucólicas e marcantes.

Ir para a Carabao, no início dos anos 90, era uma grande aventura. O ramal que ligava a Rodovia AM 010 à Vila de Novo Remanso era de barro escorregadio, cortado por igarapés e com ladeiras íngremes. No período de verão a poeira dificultava a visão do motorista e no inverno a estrada virava um grande lamaçal escorregadio. Com duas D-20, uma verde e outra cor-de-vinho, guiando o comboio, Petronio reunia a família, tio Alfredo, os amigos e os amigos dos filhos para um fim de semana de muita diversão.

Naquele pedaço de paraíso, às margens do majestoso Rio Amazonas,   o casal constituiu o outro ninho de amor da família. Havia o quarto do casal de frente para o Rio Amazonas, o quarto do Rodrigo e da Paula, o quarto do Petronio e da Rossi, o quarto da Iêda e o quarto do tio Alfredo. Muitas foram as páscoas, carnavais, festas juninas comemoradas ali. Quando Rosana e Márcia vinham de férias também reuniam os amigos e lá ficam semanas inteiras pescando, fazendo incursões pela mata, descansando.
No canto do seu quarto, Petronio montou um observatório com uma luneta e dois binóculos de longo alcance, com esses equipamentos era possível saber se era barco recreio, iate, navio ou balsa que saíam da foz do Madeira ou que vinham baixando de Manaus. Com o espírito aventureiro de sempre comprou um jetsky de dois lugares para que os filhos fizessem manobras radicais nas volumosas e furiosas águas do Amazonas. Com o tempo, a família trocou as duas D-20 por um micro-ônibus mais confortável e que podia levar, numa única viagem, mais gente para a fazenda.

Durante o período que sua saúde foi ficando mais frágil era na Fazenda Carabao que Petronio se refugiava para contemplar a natureza. A casa foi toda adaptada para que a cadeira de rodas pudesse trafegar sem obstáculos. A Fazenda Carabao representou para Petronio a continuidade da sua relação com a natureza originada nas barrancas do Juruá. Petronio, construiu, na Carabao uma “casa grande” o suficiente para poder acolher os seus inúmeros amigos, filhos e netos, num permanente curso de extensão rural/social promovido pela “Universidade do Juruá”. O amor de Petronio pela terra e pela gente que lá vive foi tanto, que seus filhos resolveram construir uma capela e nela abrigar parte das cinzas de Petronio e Iclé, unidos para a eternidade.

O AVC E A OBSTINAÇÃO PELA VIDA!

Como praticante de remo na juventude, Petronio tinha um perfil atlético, forte, um touro, como se diz, um atrativo agravado pela “morenice” que o fazia ainda mais atraente e belo. A mente era uma máquina que funcionava sem parar em busca de descobertas de novos conhecimentos, que transformam pensamento em ação. Entretanto, várias foram as vezes em que o cérebro o surpreendeu, obrigando-o a interromper planos e sua execução. Foram vários acidentes cerebrais, os AVCs. O obituário de seus ancestrais registra alta freqüência dessa patologia, associada ou não a danos cardiológicos. O restabelecimento, após cada AVC, era uma batalha a ser vencida onde Petronio colocava toda sua força de vontade, obstinação e até teimosia para dizer, “… vou vencer mais essa”. O primeiro susto o acometeu ainda jovem, por volta dos 50 anos, numa reunião de trabalho na sede da Federação das Indústrias, onde seguia a rotina de membro da diretoria, fazia mais de duas décadas. Naquela ocasião, os melhores serviços de pronto atendimento para acidentes neurológicos em Manaus eram as companhias aéreas.

“A perda deste amigo não tem preço”

Nesse clima de tensão, e na expectativa de um tratamento neurocirúrgico, com custo estratosférico, Petronio procurou o amigo de fé Ribamar Bentes Siqueira para levantar o recurso. Sem titubear Siqueira lançou mão de toda a sua reserva financeira e a entregou ao amigo. Indagado sobre as formas de devolução do empréstimo, Siqueira foi categórico. “Isso não importa neste momento”. Mas Petronio disse a Siqueira que a sua família não teria como pagar o empréstimo em caso de óbito, ao que o amigo prontamente argumentou. “Dinheiro a gente trabalha e ganha, o prejuízo maior será a perda de um amigo como você. Uma perda que dinheiro nenhum do mundo será capaz de suprir”. Assim foram Iclé e Petronio para o Rio de Janeiro ouvir os maiores especialistas em AVC. Superado esse momento de transtorno, Petronio passou a cuidar mais rigorosamente da própria saúde, sob os cuidados e atenção permanente de Iclé, dos filhos e do seu médico cardiologista Dr. Ronaldo Jackmonth. Mas todos os cuidados não foram suficientes para deter a provação e a adversidade. E em 1987, numa viagem ao Rio de Janeiro, onde Petronio Filho e Iêda moravam para fazer graduação, Petronio foi nocauteado por mais um AVC. “Estávamos no Barra Shopping, fazendo compras quando, ao assinar o cartão a letra saiu toda torta, o que achei estranho. Depois, ao sairmos da loja ele começou a chutar o chão, a andar puxando a perna. Senti um frio na espinha e disse que era melhor irmos para casa que ficava nas proximidades. De casa liguei para meu cardiologista e contei o caso. Disse que o levasse imediatamente para a Clinica Sorocaba. Quando chegamos lá e o médico aferiu a pressão que media 21 por 18. Ele foi internado na hora e lá ficou por duas semanas” conta Petronio Filho. Quando saiu passou ainda um mês com os filhos e a “mãe”, como carinhosamente chamava Iclé. Os membros do lado direito ficaram semi-paralisados e, para reverter este quadro, exercícios diários eram imprescindíveis. Todos os dias pela manhã os Petronios, pai e filho, saíam para uma caminhada de fortalecimento das pernas. Depois, em casa, ele tinha que tirar os 40 palitos de uma caixa de fósforos, um por um, e depois colocá-los de volta. Era para estimular os movimentos leves que haviam sido afetados. Nos primeiros dias a falta de coordenação o deixava chateado mas, dia após dia, ele foi melhorando. A fisioterapia na clínica era acompanhada de perto por Iclé. Além do carinho, que se revelava a melhor terapia, havia o incômodo – na verdade, um indisfarçável ciúme – que aparecia nos momentos em que terapeutas massageavam e exercitavam seu amado, segundo Iêda. Com essa atenção e suporte, ele se restabeleceu completamente e voltou para casa.Em julho de 1991, Iclé e Ana Paula, esposa de Rodrigo, foram para o Rio de Janeiro acompanhar Petronio numa bateria de exames. Tudo estava correndo bem até que, nos exames de tomografia, ficou constatado um aneurisma cerebral, já calcificado, resultado de um AVC certamente antigo, cuja retirada via intervenção cirúrgica foi longamente analisada pelos filhos com o apoio do Dr. Jorge Mota, que decidiram não levar adiante nem contar nada, nem para ele, nem para Iclé.

“Combati o bom combate. Terminei a minha carreira, guardei a fé”

Janeiro de 1992 foi um ano que ficou marcado por perdas e sustos. No dia 13 falece Simões, sócio de Petronio havia mais de 20 anos. Foi um abalo para todos que conheciam a amizade que existia entre eles, mas sobretudo para Petronio que demorou a assimilar e aceitar a perda. Contam que, passados uns dias do falecimento, Petronio saiu de sua sala com um papel na mão dizendo algo como: “…preciso resolver isso com o Simões.” E atravessou o pequeno corredor que separava as duas salas quando se deu conta que o sócio, amigo e parceiro querido, não estava mais lá.

Os preparativos para a festa de 70 anos de Petronio foram cancelados. Não havia clima para celebração. A tristeza pela perda era enorme e indescritível. Foi neste ambiente que o AVC o atingiu em cheio. Ele estava fazendo exames numa clinica dermatológica e, ao final do procedimento, não conseguiu abotoar sua camisa e sua fala ficou embolada e sem sentido. Apreensiva a proprietária da clínica ligou para Iclé e ele foi internado às pressas na clínica Check Up. Era um acidente de grandes proporções e sua remoção de Manaus deveria ser imediata. Foram dias difíceis e apreensivos, pois diferente do acidente de 1987, aquele havia afetado diretamente a área responsável pela fala e leitura, exatamente duas coisas da qual Petronio gostava muito de fazer. A família Simões, com todo carinho e solidariedade, abriu seu apartamento no Rio para o longo período de restabelecimento com fonoaudióloga, fisioterapeuta e todos os cuidados necessários. A CCIL – Coca-Cola Indústrias, na pessoa de seu presidente na época, Álvaro Canal, colocou  uma equipe multidisciplinar para resolver qualquer problema. Nesses momentos, os médicos Jorge El Kadum, Jorge Mota, Lavoisier e Tadashi e enfermeiros, como Alex Moreira, foram de grande importância para ajudar a família a superar aquela situação nova e aterrorizante para todos. “Lembro que uma das fisioterapeutas chamou a mim e a mamãe e disse: existem três coisas fundamentais para o sucesso do tratamento: a parte financeira, o apoio da família e a vontade do paciente. Se faltassem um dos três dificilmente ele se recuperaria” conta Iêda. E assim tudo foi feito para que os três pontos fossem observados e cumpridos à risca. No final de dois meses,  Petronio estava novamente forte, corado e disposto, mas ficou com seqüelas. Para se comunicar foram criados códigos:   os 5 dedos da mão eram os filhos e quando ele queria falar algo sobre um deles, abria a mão e apontava os dedos. A Rosana era o mindinho, o Petronio o anular, a Márcia o do meio, o Rodrigo o indicador e a Iêda o polegar. A única palavra que ele nunca deixou de falar foi MÃE, a forma carinhosa que o casal havia escolhido para se chamar: Iclé chamava Petronio de pai e ele chamava Iclé de mãe. Em função da disfasia, distúrbio da palavra, devido a lesão do sistema nervoso central, Petronio se afastou da funções executivas no Grupo Simões. A parte física, porém, estava funcionando plenamente, o raciocínio estava correto e ele não podia ficar parado. Foi o período que, junto com seu motorista Clóvis e segurança Beckman, teve a oportunidade de fazer coisas que gostava e que antes tinha pouco tempo para se dedicar, como vistoriar obras. Visitar os amigos Jaime, Joacy e Edmundo além de muitos outros e ainda, a se exercitar com freqüência.

Depoimento histórico  Apesar da dificuldade de se comunicar, em novembro de 1993, na inauguração da Manaus Refrigerantes, Petronio falou de como ele e Simões escolhiam os locais onde as fábricas seriam construídas e da amizade deles.

Apesar de todos os cuidados e esforços, manter a pressão estável era um desafio. Foi assim que, em 1996, é acometido de mais acidente, desta vez em casa. “À noite mamãe estava ansiosa, agoniada… ela achava que o “pai” não estava bem, mas não sabia explicar porque. Fomos dormir e de madrugada ela me ligou – Iclé e Petronio moravam no 11º andar do Walderez Simões e Iêda e Dodó no 10º andar – pedindo para ir ver como ele estava dormindo. Ao chegar papai roncava muito alto. Fui tentar acordá-lo, coisa que ele não gostou. Ficou bravo e disse: estou bem, estou bem. Pode ir. Com essa resposta fui para casa. Pela manhã antes de ir para o trabalho passei lá e ele já estava acordado, mas mamãe continuava inquieta. Dei um beijo e fui trabalhar. Passados 40 minutos mamãe ligou pedindo para voltar às pressas e quando cheguei à casa dela papai estava deitado na cama soltando um urro pela boca, um barulho estranho e percebi que a língua parecia enrolada na boca. Foi um susto, um desespero. Pulei em cima dele batendo no coração e mandei chamarem o Dr. Jackmont que morava em frente ao prédio. Ele chegou minutos depois de pijamas e fez os primeiros socorros em casa, para depois transferi-lo para a Clínica. 24 horas depois, mesmo estando bem melhor, a família decidiu levá-lo para novos exames com seus médicos que verificaram que, em função do pouco uso da fala, os tecidos da garganta estavam atrofiando e por isso ele havia se engasgado e tido falta de ar. Desta vez ficaram apenas poucos dias e logo ele voltou para casa”.

“EM CADA CANTO UMA DOR, DEPOIS DA BANDA PASSAR, CANTANDO COISAS DE AMOR”

Em 97 Petronio completa 75 anos e a família faz uma linda festa em comemoração, reunindo os familiares e amigos. Ele estava muito alegre por reencontrar as pessoas e fazia questão de tirar foto com cada convidado que chegava. Os filhos fazem uma homenagem ao pai, parodiando a música A Banda, de Chico Buarque. Em julho daquele ano, Petronio e Iclé decidem ir ao Festival de Parintins, ver o Boi Caprichoso, que aprenderam a torcer por influência da família Carvalho, pais do Dodó, marido da Iêda. Alugaram o confortável iate Umuarama e partiram num clima de muita alegria e festa o casal, Petronio e Rossi, Iêda e Dodó, Paula e Rodrigo, Clio, irmã de Iclé, e Júlia Alcantarino uma amiga da família.

A chegada em Parintins se deu no dia 27, dia da Festa dos Visitantes, que havia caído num sábado. À noite, parte do grupo foi para a festa e Iclé, Petronio, Clio e Julia, que era adventista e por isso guarda os sábados, ficaram no barco jogando cartas. Petronio foi deitar e as três continuaram jogando. Por volta das 22h00, Iclé foi levar um medicamento e percebeu que Petronio não estava bem. Novamente sua respiração ocorria de forma alterada. Imediatamente deu sinal de alerta para as pessoas que haviam ficado no barco. Júlia, que é enfermeira, providenciou os primeiros socorros e o fez respirar novamente. Mas era preciso um aparelho de oxigênio. Iclé envia Clóvis e Beckman para “terra” a fim de encontrar os que estavam na festa. E de lá partem para os hospitais de Parintins em busca dos equipamentos necessários e depois um avião para voltar para Manaus. De Manaus, Petronio Filho o leva de UTI aérea para o Rio de Janeiro onde Petronio é internado novamente. Os médicos avaliam que é necessário fazer uma traqueostomia. Os cuidados agora precisam ser maiores. De volta a Manaus, seu quarto no apartamento do edifício Walderez Simões é transformado num quarto de hospital com tudo que fosse necessário para oferecer-lhe conforto e segurança. Uma equipe de enfermagem foi montada para estar constantemente ao seu lado: Júnior, Zé Carlos, Marlelson foram alguns dos que fizeram parte desse time empenhado em ajudá-lo no que fosse preciso. Novamente nenhuma enfermeira foi aceita na equipe, pois Iclé não permitia que outra mulher tocasse seu amado.

A única angústia, ficar longe dos seus…

Apesar de todos os cuidados e o carinho dos que o cercava, a saúde foi-se deteriorando a cada dia e assim, em novembro de 1998, um AVC hemorrágico o levou a morte cerebral, que culminou em 21 de novembro daquele ano com seu falecimento. Ninguém lembrou de ter ouvido Petronio reclamar de coisa alguma ou fazer de sua dificuldade de movimento ou comunicação, motivo de auto-piedade. Sua única angústia era ficar longe dos seus nos dias prolongados de internação por não poder voltar pra casa, principalmente estar ao lado de Iclé, sua referência, razão de ser e porto seguro. À medida que os anos avançavam o carinho de um com outro crescia em graça, beleza e intensidade. Mesmo com a perda do uso das cordas vocais, o que lhe retirou o timbre característico da voz marcante que Deus lhe deu, a comunicação não se alterou, pois desenvolveu outros instrumentos talvez mais efetivos, de interatividade e cumplicidade amorosa.

DO JURUÁ AO JURUÁ

Quando completou 18 anos de idade, Petronio Filho foi surpreendido com um inusitado pedido de seu pai Petronio: “quando eu partir, se a Igreja católica não mais proibir, eu quero que o meu corpo seja cremado e as minhas cinzas lançadas nas águas do rio Juruá, defronte ao seringal Conceição do Raimundo, onde fui criado”. Dezoito anos mais tarde o seo Petronio foi acometido de um novo AVC só que desta vez hemorrágico.  Em estado de coma, seus médicos reuniram a família para informar a morte cerebral sem qualquer possibilidade de recuperação e a vida de seo Petronio na UTI da Beneficente Portuguesa estava sendo mantida com auxilio de equipamentos. Petronio Filho reuniu a família e comunicou o pedido que o seu pai lhe fizera há 18 anos. Para conforto de todos, dado o ineditismo do comunicado, Márcia, a terceira filha do casal informou que o seu pai também lhe fizera o mesmo pedido. O passo seguinte foi consultar os representantes da Igreja, que prontamente informaram que há muito tempo a cremação não era proibida pela Igreja, apenas não era incentivada. Após a missa de corpo presente, na igreja Nossa Senhora das Graças, no Beco do Macedo, os filhos Rodrigo e Márcia embarcaram com o corpo de Petronio para ser cremado no crematório municipal da Vila Alpina em São Paulo.

Petronio tinha o sonho de levar a família para conhecer o Seringal Conceição do Raimundo e o seu querido Rio Juruá. Ele não conseguiu em vida, mas os levou na morte. Os que ficaram em Manaus, se dividiram no amparo à dona Iclé e nos preparativos da viagem ao seringal com a ajuda do sobrinho querido, Ralph Assayag. Num turbo-hélice Bandeirantes rumo ao município de Itamarati, para cumprir a vontade do seo Petronio,  seguiram os cinco filhos, os amigos Jaime e Joacy, o genro Dodó, o sobrinho de coração Guilherme Fregapanni e Miberval Jucá, amigo de Ieda e Dodó que havia sido vice-prefeito de Itamarati. Não bastasse a emoção que envolvia o cumprimento da missão, a mesma foi ainda temperada com uma tempestade tropical, na aproximação para o reabastecimento da aeronave em Tefé, de tal intensidade, que o comandante cogitou seriamente em abortar a aterrissagem devido à pouquíssima visibilidade. Porem, inesperadamente a torre de controle de Tefé informou ao comandante que ele poderia pousar com “segurança” na esteira de um Búfalo da Força Aérea Brasileira que estava em procedimento de pouso.

Cerimônia do adeus

Chegar a Itamarati era só uma parte da viagem a próxima etapa seria feita em voadeiras com motor de popa até o Seringal Conceição do Raimundo. A chegada ao seringal foi emocionante, estar no lugar onde Petronio havia morado, de onde contava tantas histórias... a comitiva foi recepcionada pela dona Josefa,  uma senhora sexagenária que, em nítida atitude de liderança, estava à frente dos moradores da comunidade. Feitas as apresentações, dona Josefa que se postou ao lado de Iclé, num gesto eloqüente de solidariedade, reconheceu o menino Jaime, perguntou pelo Alfredo. Mostrou onde era a casa do Seo Nilo, falou um pouco da vida no seringal nos dias de hoje e por fim, para surpresa de todos, informou que gostaria de entregar a imagem de Nossa Senhora onde, segundo ela, a mãe de Petronio rezava. Ela disse que sentia aliviada de passar a Santa pois a guarda tinha ficado com ela mas, já estava velha e a responsabilidade pesava. Entretanto, como a comitiva está de voadeiras e que a imagem poderia não agüentar a viagem, foi acordado que ela iria a Manaus levando a imagens, o que depois aconteceu. Ao receber a imagem Iclé mandou restaurar e hoje ela guarda os restos de Iclé e Petronio na capela que está na fazenda Carabao. Após o passeio pela terra a comitiva voltou às lanchas para que lançássemos ao RIO JURUÁ parte das cinzas do seu filho querido, Petronio Augusto Pinheiro. A urna com as cinzas foi aberta para que cada um pegasse um punhado e as lançasse no rio, foi um dia santo, triste e, sem dúvida, inesquecível. O grupo não tinha muito tempo pois o avião deveria decolar de Itamarati no máximo às 16hs e assim, após o ritual das cinzas, o grupo voltou.Por decisão da família foi lançado no rio parte das cinzas e a outra parte está guardada numa capela construída para este fim na Fazenda Carabao. Antes de falecer Iclé informou que também queria ser cremada e que suas cinzas fossem misturadas a de Petronio, o que foi feito.